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terça-feira, 26 de maio de 2015

O não-óbvio na vida, 5 visitas, 1 reflexão

Abstract:
A vida hoje é demasiado complexa para se decidir com previsões a partir do óbvio. 
Usar o não-óbvio, mais que um método, é um estilo de vida.



Tempos atrás, fizeram-me a pergunta intrigante de saber se as minhas decisões na vida foram causadas por circunstâncias que me "agarraram" e a que reagi ou se, pelo contrário, foram consequência de um padrão escondido "cá dentro" que me "empurrava" para essas circuntâncias e provocava as decisões. 

Em síntese, e de um modo simples, a pergunta intrigante era se "as decisões nasceram das circunstâncias ou se as circunstâncias nasceram das decisões". Na prática é o velho problema de quem aparece primeiro "o ovo ou a galinha".

Intrigado com a pergunta, comecei a procurar respostas.

A - Introdução

Para começar, uma pergunta:
- Porque é que as pessoas casam?

Em esboço, casam porque:

A - Conhecem-se desde pequenos, andam juntos na escola, são namorados em adolescentes, integram-se nas mútuas famílias e... passado algum tempo... casam!!!

B - Já adultos, nunca se viram e, por mero acaso, em determinada hora/local, "chocam" com o outro,  olham-se e ... passado algum tempo... casam !!!

A hipótese [A] é um encadeamento de causas-consequências num processo tipo predição óbvia.  A hipótese [B] é uma sucessão de incertezas e coincidências sujeita a predições não-óbvias e vulgar em sociedades de fluidez social.

Estes dois tipos de predições são dependentes de duas variáveis:

1 - curto ou longo prazo;
2 - pequena ou grande complexidade;

e, em função do seu equilíbrio surgem as caracteristicas "óbvia" ou "não-óbvia":

Qualquer uma delas pode ainda ser afectada por um terceira variável de tipo individual que são os padrões interiorizados no tomador das decisões. Esta variável possibilitará uma percentagem de óbvio no não-óbvio, por exemplo, [...não sei o que irá acontecer mas a decisão será do tipo de...], situação comum nas perseguições e investigações criminais por responsabilidade dos "profilers".

A pergunta inicial das minhas decisões serem fruto de circunstâncias ou de padrões pessoais inscrevem-se nesta problemática, pelo que resolvi aprofundar possíveis influências sofridas fazendo visitas ao meu passado numa "Viagem ao redor de mim próprio"(parafraseando Xavier de Maistre) numa espécie de turismo freudiano amador.

B - 5 visitas

1 - O primeiro passeio foi...

...lembrar-me dos meus tempos de marinheiro quando, no Funchal, me ofereceram duas garrafas de vinho da Madeira, do século XIX, e me contaram a história* de como ele apareceu:
*- Não tenho referências da época.

No século XVI o vinho era embarcado em navios para os mercados da Índia. Numa das vezes, o navio regressou sem lá ter chegado mas, ao testarem o vinho, ele tinha adquirido uma qualidade nova e superior.
Então, nos séculos XVII e XVIII o vinho era embarcado em navios para, por efeito do balanço e do calor dos trópicos, sofrer a mesma transformação. Talvez a posterior técnica da estufagem tenha aqui a sua origem reconstituindo em terra os efeitos das viagens por mar.

Como marinheiro, esta história de um Vinho Marinheiro que melhorava ao andar no mar, agradou-me.
Mas a atracção escondida foi existir lógica em eventos sem conexões óbvias. À primeira vista não faz qualquer sentido "andar de barco nas tempestades para produzir bom vinho" pelo que me encantou a  descoberta e o seu uso.

Freudianamente, talvez tenha sido este não-óbvio o início de um padrão instalado.

2 - O meu segundo passeio foi à minha estante de livros.

Resolvi contabilizar as minhas leituras e conclui que já li mais de 900 livros de Ficção Científica.



Pesquisei as suas predominâncias e verifiquei que as minhas preferências nunca foram do tipo "cow-boy do espaço", ex. "Guerra das Estrelas", mas sim do estilo "não-óbvio tornado óbvio", por ex, com R. Heinlein, Philip Dick, Ursula Le Guin, Anne McCaffrey, Ray Bradbury, Kurt Vonnegut, Joan Vinge, Clifford Simak, Arthur Clarke... e muitos outros.
Este estilo atraiu-me e fiquei fan na aventura de encontrar o óbvio a partir do não-óbvio.

Este padrão consolidou-se pois adoptei como modelo as "lógicas" de Isaac Asimov, um bioquímico com mais de 500 livros publicados numa média de 15 por ano.
A sua grande capacidade estava em juntar ideias não "juntáveis" e tornar esse conjunto óbvio por desvelar conexões escondidas que faziam aparecer as lógicas não-óbvias, num jogo de imaginação onde a preguiça mental não tinha lugar. Tinha encontrado o meu hobby.

O prazer em ler os seus livros estava em descobrir a possibilidade para onde ele nos empurrava e que não me passava pela cabeça. Muitas vezes parava de ler e gemia:.. RAIZOPARTIÇA..!!! & ;#£;‰;%@  #!!!&; #¶ %; @‰;#.

Também freudianamente, este "pai cultural" enraizou-me o hábito de procurar a lógica escondida que ligava os inúmeros não-óbvios na vida que me rodeava.

3 - O terceiro passeio foi a eventos do passado, motivados por uma pergunta intrigante que apareceu:

- Será que, num novo casamento após um divórcio, o novo cônjuge é o "mesmo" do antigo, apenas  está camuflado e "undercover"?

Se a resposta fosse sim, então, parecia que a "decisão originaria a circunstância", ou seja, a coincidência seria uma procura que teve êxito.
As conclusões foram interessantes pois muitas vezes a nova relação parecia repetir a antiga, às vezes até copiava o divórcio anterior e suas causas. Isto começava a complicar-se.

Porém, noutros casos surgia uma versão alternativa quando, após a separação, o exconjuge alterava bastante o estilo de vida (trabalho, grupos sociais, lazeres, política, religião, etc) e, então a diferença do novo par para o antigo era nítida.
Como alguns autores referem que a referência para a decisão matrimonial pode ser baseada na sintonia com uma antiga figura parental, a mudança de perfil para o novo par a escolher poderia ser ocasionada por mudança da figura parental dominante.

Assim, revendo o meu caminho relacional comecei a tentar identificar os "fantasminhas" que me povoavam e me "encarrilavam" na escolha. Reconheci alguns, sintonizados com figuras do meu passado, que reforçaram a convicção de que os padrões provocariam as circunstâncias ou, como diziam as avós antigas, [...cada um só se apaixona por quem já anda à procura...].

Esta conclusão foi uma "pedra no sapato" que desestabilizou o padrão de pensar com o óbvio e passar a querer, com o uso do não-óbvio, acabar com esses "fantasminhas" que manipulavam as decisões. 

4 - O quarto passeio foi pelas estratégias militares.

Na época, estudando a guerrilha na Conchichina no tempo dos franceses, as batalhas de Trafalgar, Aljubarrota, Akaba, etc, e outras vitórias militares tornou-se-me claro que o "min-max"(trigger) da vitória era sempre um pequeno factor não-óbvio para a época e/ou para o inimigo e que bem utilizado originava a vitória.
A conclusão era simples, não se ganham batalhas (militares, políticas, negócios,..) jogando no óbvio mas, sim, no não-óbvio tornado criador (trigger) da vantagem para a vitória.

Como reforço desta perspectiva, analisando estratégias politicas, encontrei o grupo SIGMA, um ThinkTank com cerca de 50 autores de Ficção Cientifica, que funcionam como consultores do Governo dos  USA na procura de tendências que unam o passado com o presente e com o futuro.

PS - Por acaso, haverá hoje algo semelhante em Portugal?

Como "trauma freudiano" a consolidar-se ficou esta eficácia dos não-óbvios. Parecia-me agora que, na prática, são os padrões que procuram as circunstâncias.

5 - A quinta visita foi pelas "campanhas" políticas.

 Uma campanha política é um misto de diagnóstico de "onde estamos" seguido por com uma promessa de "para onde vamos" com o objectivo de provocar a "compra de uma adesão". Assimpode-se considerar as campanhas políticas como uma feira de venda de adesões.

As vendas podem ser com previsões e promessas de feira, feitas por mentes preguiçosas que se baseiam no óbvio e na moda, ou com previsões e promessas estimulantes (growth) que se baseiam no não-óbvio de factores aparentemente desconexos mas cheias de energia e expectativas motivantes.

Das primeiras nascem ofertas à La Palisse, umas óbvias e generalistas sem contestação possível, outras vagas e abstractas impedindo avaliação posterior. Obviamente, o risco político nelas existente é nulo.
Alguns exemplos:

A

Na verdade, é difícil candidatar-se em Portugal por acreditar na ESPANHA ou no BURUNDI...

B

OK...mas uma dúvida subsiste... "por todos nós"... O QUÊ?
Aumentar ou reduzir os impostos? SIM ou NÃO à Assistência social e Saúde?? Ensino melhor ou pior??
Ou... talvez seja só um cheque em branco do tipo "Por todos nós porque... Eu sou porreiro e faço o que quero!!!"

C

Neste caso o convite para aderir é do estilo de sites de encontros onde [...escolha o par dos seus sonhos e sua vida melhora...]. É a chamada foto de conexão afectiva... calmo, pachorrento, pensativo e amigo. 

D

Aqui surge uma proposta de regresso à infância com as histórias da raposa que diz à galinha: "Confia em mim!!!" Se confiar ... não aprendeu nada com a história da avó!!!

E

Semelhante ao estilo feirante que grita em altifalante as benesses do produto:
- "Não conhece de lado nenhum... não desconfie, confie... é justo e solidário!!!"
Poder-se-á aderir???

Em todos, o padrão cultural  é claro.
Segundo Maurice Duverger há duas espécies de Democracias, a Democracia Governada e a Democracia Governante. 

Na Democracia Governada todos conhecem o governante, a família, o cão, o gato, a vida dos filhos, o carro que tem mas não sabem o que ele anda a fazer. 
Os eleitos não têm consequências do que fazem, a impunidade é geral. Com promessas vagas, herméticas, não avaliáveis e de incumprimento impune... não existe risco político. 
Quem adere vota às cegas, tem em ideias vagas do que ele fará mas acredita porque  [...é um tipo porreiro,  diz coisas boas e tenho esperança...] , é uma adesão ao estilo crença num Pai Natal político.

Pelo contrário, na Democracia Governante os eleitores não se preocupam com o governante mas sim com o que ele anda a fazer e se cumpre o que promete. Prestar contas, ser avaliado e ter consequências é garantido, assim as suas propostas têm que ser claras, concretas e avaliáveis nos seus resultados. 

Como exemplo, JF Kennedy em Maio 1961 fez uma promessa política, clara, concreta, avaliável e, verdade ou mentira, é tão não-óbvia que ainda hoje há quem não acredite que tenha sido realizada. O risco politico foi grande, até em termos internacionais:



  
Nas campanhas, o factor critico das promessas é a sua credibilidade. Quando esta se perde todo o esforço de venda de adesões é ineficaz. Nesta situação origina-se a selecção pela negativa. 
Como nenhuma tem credibilidade substitui-se a listagem dos melhores, onde se escolhe o primeiro, pela listagem dos piores, onde se escolhe o último... o menos mau.

Como conclusão, as promessas feitas com base no óbvio ficam sem graça e sem atracção, vivem apoiadas na popularidade e na moda, têm vida curta e memória frágil.
Porém, se feitas com base no  não-óbvio são atractivas e intrigantes, perduram para além da época (vide Kennedy) e normalmente não significam um caminho mas um ponto de vista que fomenta possibilidades, projectos e resultados.

Conclusão,

após esta curta "Viagem ao redor de mim próprio" parece que o padrão não-óbvio foi por mim incorporado mas integrado em coincidências aleatórias onde, nas encruzilhadas decisórias, optava por  caminhos, nem sempre muito "lógicos" dentro do óbvio normalizado.

Este resultado não consciente, que agora me foi evidente, fez-me pesquisar e encontrar livros e apontamentos arquivados sobre fissuras em regulamentos institucionais que possibilitariam opções não-ilegais fora do óbvio legalizado. 

Depois desta pesquisa que durou algumas semanas, o mais divertido foi, agora, olhar para o espelho e pensar "Quem eras tu???".
E verificar que, com um intervalo de dezenas de anos, estava a pôr em prática o conselho de Sócrates (o original) quando diz "Conhece-te a ti mesmo", pois esta frase foi mim escrita aos 19 anos no inicio de um artigo na Revista "O Tridente" da Escola Naval. Talvez já na altura, andaria preocupado com o dilema [...pessoa e sua circunstância.]

Quem eras tu????

C - Reflexão

Depois de todo este turismo no passado, concluo que, para o bem e para o mal, a minha vida sempre andou entrelaçada com o não-óbvio.

Respondendo à pergunta inicial que provocou esta viagem, posso dizer que, se bem que sujeito ás vagas agitadas das coincidências, nas suas encruzilhadas decisórias o padrãozito do não-óbvio teve uma função importante.

Continuando fan dessa opção, apesar de algumas nódoas negras, posso dizer que continuo a persegui-lo pela simples razão que ele está aí,  à solta lá por fora... e enganar os óbvios existentes nos neurónios é uma aventura atraente. Resumindo, a atracção pelos não-óbvios é porque eles existem.

Realmente, passear descalço em carvão de coque ao rubro (400ºC?) não é nada óbvio:

Alpes Italianos (2001)

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