Translate

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

As crianças, a vida e os antipsicóticos- Parte 3

Continuação de "As crianças, a vida e os antipsicóticos- Parte 1"
                  "As crianças, a vida e os antipsicóticos- Parte 2"
Tema
O córtex é um mundo misterioso cheio de potencialidades desconhecidas e disponível para crianças
ainda não "presas" nas divisórias e paradigmas dos adultos.
 (Victor Hugo) Essas divisórias que nos separam do mistério das coisas a que chamamos vida.
Conclusão
Limitadas por antipsicóticos, as crianças vivem a aventura do pensar… com Vontade-de-fazer-força mas sem Força-para-ter-vontade:

O córtex  precisa de vitalidade e os seus neurónios estão "amolecidos".

Os "considerandos" a seguir descritos não são propostas-tipo para crianças, são apenas um "passeio" sobre o tema. Para seleccionar propostas, o simples e antigo "critério das avós" […se perde energia e alegria de viver… FAZ MAL…] é um bom ponto de partida.

Percurso do pensar
1 - Carroças, carros e aviões
2 - Equilíbrio estímulo-córtex
3 - Estratégia "estímulos versus córtex"
4 - Estratégia "córtex versus estímulos" - Parte 3
     (1. Montar um pónei, 2. Jogo de Ping-Pong, 3. Judo e "outros" sentidos, 4. Andar no fogo)
5 - Córtex versus vida

4 - Estratégia "córtex versus estímulos"

4.1 - Montar um pónei
A formula atrás descrita (parte_1 e parte_2) pode ter uma formulação mais geral dizendo que há um equilíbrio (interdependência) entre as características da estimulação e as do funcionamento do córtex, mas não apenas limitado às suas velocidades, ou refraseando:
Por outro lado, também a formulação anterior de input-output, ou estimulação-resposta, como base da vida poderá ser complementada com um elemento intermédio:
em que o córtex é o elemento de ligação entre os dois factores.


Como exemplo, a "simples" amiba recebe inputs, depois tira conclusões e com o corpo adapta-se ao contexto, transformando-se:
O ser humano, como ser vivo, também  tem incorporado o mesmo mecanismo mas bastante mais complexo, pois integra diversos processos no seu funcionamento :



Na verdade, comparando a criança deste vídeo com a amiba, encontram-se semelhanças e diferenças.

Como semelhança, ambas têm input exterior, obstáculo para a amiba e pónei para a criança, e ambas criam output sob forma de adaptação corporal. A conexão entre os dois está num processo privado e pessoal, a "acção neuro muscular".

Talvez como diferença, reconhece-se na criança uma não-desistência (resiliência?) perante os insucessos e uma vigilante observação do exterior na procura de alternativas. Esta atitude, óbvia na autónoma vontade de fazer vulgarmente chamada "força de vontade", talvez também exista na amiba mas o que se sabe... é que há humanos que não a têm. A questão é: - Porquê?

O vídeo sensibiliza e impressiona, não por ela querer montar o pónei, mas pela sua força de o fazer autonomamente, impulsionada de dentro. Se se reparar, ela não faz "tentativas cegas" mas "tentativas críticas", base da Pedagogia Experiencial.
Na verdade, em determinada altura, a meio dos esforços, ela procura ver se há estribos. Isto significa que está na posição da "acção lúcida", essência imprescindível da vontade de fazer força.[*]

[*]- Paradoxalmente, o método autoritário para treinar força-de-vontade é impedir e bloquear esta essência, ou seja, ao obrigar à obediência esta "mata" o que se quer criar. 
(Ver cultura índios USA, Ruth Benedith, Erik Erikson)

Um interessante diagnóstico de um adito é dizer que [… ele tem grande força de vontade para deixar as drogas pois não desiste apesar de já ter feito 10 cursos com êxito…]. Existe aqui uma lógica maltratada pois são desfigurados dois momentos, a entrada no curso e a saída dele.
O adito ele tem grande força de vontade para entrar no curso mas sai dele com pouca vontade de fazer força. O objectivo de qualquer curso não é fazê-lo com êxito, é usar o aprendido com sucesso.

No caso da criança, instintivamente percebe-se a diferença. A tónica está no fazer força para obter resultados. Assim, poder-se-á distinguir:

- a força de vontade de estar montada;
- a vontade de fazer força (resiliência?para o obter.

Adaptando o esquema anterior a esta formulação, surge um 3º elemento (vontade) da responsabilidade do córtex da criança:
Na verdade, esta influência do córtex-sobre-si-próprio é o centro deste problema.

Na sua forma mais habitual, apesar desta influência dever nascer do interior, a cultura dominante[*] usa a técnica do controlo exterior sob o nome "científico" de autoridade, enquadramento, cumprimento das regras, etc. Em esquema:
[*]- Em sentido contrário, ver cultura índios USA, Ruth BenedithErik Erikson.

Com o método autoritário, a chamada força de vontade torna-se apenas força-em-obedecer a uma autoridade exterior que curto-circuita e põe fora de acção a vontade interior de fazer força.
Como parábola comparativa, quando não tem a que obedecer fica um robô inerte e desligado à espera de ordens.

O paradoxo é que, quanto mais se usa autoridade para aumentar a força de vontade, mais a força de vontade é reduzida e anulada a vontade de fazer força. Em substituição fortalece-se a dependência da autoridade[*].
Também como parábola, é como estar saudável e usar muletas para fortalecer os músculos das pernas e, depois, ao ficar maior debilidade, insiste-se no uso das muletas.
[*] - A rebeldia é essa dependência pela negativa. (cickar)

Como exemplo e em sentido contrário, eis um conselho do jesuíta Inácio de Loyola (séc. XVI), que é semelhante em alguns antigos mestres orientais. Para fortalecer a vontade aconselha actividades "fúteis":

[…por opção pessoal e em segredo, escolher uma árvore para, em dias/horas por si pré-marcados, lhe  tocar e regressar. Repetir sempre com árvores diferentes. O cumprimento deve ser exacto. A única razão para o fazer é ter prometido a si-próprio.]

Analisando este conselho, ele tem características interessantes pois salienta a diferença entre força de vontade e vontade de fazer força:

1 - Em primeiro lugar, é uma acção pessoal e privada, um compromisso do próprio para consigo próprio. Autoridade e obediência exteriores estão fora de jogo, assim como, o ser avaliado por outrem.
2 - Em segundo lugar, não há resultado o obter, tudo começa e acaba no fazer, não se caminha PARA,   caminha-se porque é o fim em si, a promessa.
3 - Em terceiro lugar, é um debruçar-se sobre si próprio, começa na auto-decisão, faz-se e acaba na auto-avaliação.

Na prática é uma análise de desvios entre a lucidez de si próprio e a lucidez dos seus actos. A auto-avaliação é um circuito fechado entre a "vontade de fazer" e a "força do fazer"[*].

[*]- Nos AA (Alcoólicos Anónimos) a auto-avaliação e o auto-compromisso são dois factores importantes. O grupo funciona como uma espécie de "rede afectiva" de apoio mas as decisões críticas do não-beber são "solitárias", isto é, uma promessa de si para si.

Como exemplo e aplicando este modelo ao estudo da matemática, foram criadas fichas com 10 simples somas (subtracções, multiplicações, divisões ou mistas) para serem resolvidas individualmente mas podendo colaborar (perguntar/responder, mostrar etc)  mas sem poder falar.

Era distribuída uma tabuada em papel na qual apenas podiam sublinhar 10 parcelas. Se quisessem sublinhar outras parcelas teriam que entregar essa cópia e receber uma nova.
O objectivo era a tabuada ser um recurso escasso, obrigando a agudizar a lucidez da prioridade do sublinhado.

PS- A criatividade grupal sempre me espantou. Um dos truques usados foi combinarem o que cada um sublinhava e usarem tabuadas uns dos outros. Esta estratégia era divertida porque funcionava bem mas ora ganhavam ora perdiam tempo… era um equilíbrio difícil. 

Também não podiam usar máquina de calcular. A intenção era obrigar a usar e desenvolver a pesquisa e memória do espaço-documental, capacidade fundamental na manipulação de recursos informativos.
Esta capacitação é muitas vezes mostrada na TV em filmes e series. É uma habilidade fundamental e preciosa na investigação, pesquisa e no estudar com documentos e/ou filmes. Exemplo:


Depois das fichas entregues, os jovens deveriam:

1º - Observar e prever o tempo que iriam precisar;
2º - Fazer a ficha sem consultar o relógio.
3º - As contas teriam que estar certas.
4º - Avaliar o resultado, certo ou errado, quanto tempo gastaram e se coincidente com previsão.
5º - Concluir onde ganharam/perderam tempo, se previsão boa/má e o que poderiam melhorar.

A competição era só consigo próprio e o desafio era contas resolvidas cada vez mais rápido e ainda haver coincidência previsão-realização. O foco era a auto-conquista de lucidez de si próprio, de qual a  dificuldade nas contas e da habilidade a resolvê-las. A motivação era serem cada vez mais hábeis e verificá-lo por auto-confirmação[*].
[*]- Isto é, feita não por "avaliação de um juiz" mas sim por "avaliação situacional", como acontece em qualquer jogo de computador.

Era a actividade preferida para começar ou terminar as sessões e queriam sempre tentar mais uma vez. Gostavam, divertiam-se e eram cada vez eram mais rápidos.

Um dia, um deles fez uma previsão bastante inferior ao habitual. Perante a minha admiração explicou que iria consultar menos a tabuada... o que foi verdade. Não só tinha memorizado a tabuada (efeito colateral) como tinha potenciado a vontade de decidir e fazer a melhoria (efeito principal).
Tinha detectado a fraqueza (perda de tempo com cábula), detectado a solução (uso memória) e REALIZADO.

As fichas seguintes continham contas mais complicadas, com mais algarismos e operações diferentes. Com espanto meu, nesta fase, conseguiam sempre prever de forma bastante aproximada o tempo que iriam precisar quando, no início, com fichas mais simples o desvio era grande.

CONCLUSÃO
O córtex treina-se mas isso não acontecerá se a vontade pessoal for enfraquecida por autoritarismo, drogas ou redução de estímulos. É preciso não confundir metodologias de suporte a actos com apoio da mente (actividades) com suporte a mente com apoio de actos (aprendizagem). Aprender passa-se no córtex[*][**]. 
[*] - Não confundir actividade física com educação física (ver exemplos mais à frente).
[**] - Córtex com psicotrópicos não é educável (desenvolvido) é domesticável (carimbado). 

Para terminar, um pequeno vídeo de um ex-alcoólico que "potencia" a vontade de não beber por manter o estímulo presente e controlado pelo córtex:


4.2 - O jogo de Ping-Pong

Quando era adolescente comecei a jogar Ping-Pong. O instrutor dizia-me que era preciso olhar para a bola para poder apanhá-la… lá fui tentando.
Porém, quando comecei a jogar com mais velocidade, esqueci o conselho [...felizmente…!!] e deixei de procurar ver a bola pois elas vinham rápidas, imprevisíveis e "não-visíveis". Fui obrigado a "aprender" a apanhá-las sem me preocupar em vê-las.

Hoje percebo o que aconteceu. Entre apanhar uma bola "molenga"e apanhar uma bola "rápida", o sistema nervoso-córtex tem que se adaptar. Não é só uma questão de aprendizagem (software) é também uma questão fisiológica (hardware).

Mais tarde descobri que a velocidade da bola de ping-pong é entre 160 a 230 km/hora o que significa que um jogador tem entre 4 e 6 centésimos segundo para, com velocidade "supersónica",:


O truque do "olhar para a bola" só serve no início da aprendizagem quando se joga com bolas lentinhas e de "balão". Quando as jogadas são com bolas velozes e "puxadas"(curvas e/ou rectilíneas) tem que "nascer" outra forma de percepcionar e processar estímulos. É preciso o córtex-sistema nervoso adquirir outras funcionalidades e capacitações [*]. 
[*] - No ténis acontece o mesmo, são 4 a 6 décimos de segundo para fazer o mesmo num campo maior.

Aprender a jogar Ping-Pong não é aprender a apanhar uma bola, é aprender a usar um novo sistema neuro-muscular-mental e dominar novas capacidades. É adquirir maior velocidade e sincronismo corporal, perceber discriminações subtis, ter decisões rápidas e previsões eficientes, etc. 

Uma criança que só tenha o tradicional jogo do berlinde e outra que jogue Ping-Pong adquirem  diferentes coordenações óculo-manual-mental e diferentes desenvolvimentos. 
Como analogia, é a mesma diferença de quem passou a vida a controlar uma carroça ou a controlar um carro de alta velocidade. Eles têm diferentes percepções, compreensões, decisões, reflexos, etc. Os padrões comportamentais  de guiar uma carroça não são os mesmos de guiar o carro de alta velocidade.

Conclusão
O "córtex-sistema nervoso", como qualquer músculo, treina-se, desenvolve-se e recria-se, vive em permanente e fiel "concubinato" com os seus estímulos… é um "casamento" para a vida inteira.

4.3 - O judo e "outros" sentidos

Diversos biólogos estudam "outros sentidos" em animais.
Por exemplo, encontram sentido "eléctrico" em enguias, tubarões e raias que, através de campos eléctricos à sua volta, detectam com grande sensibilidade, o "corpo eléctrico" de presas. 

Por outro lado, peixes e aves migratórias detectam com um sentido "magnético" a orientação a seguir, com uma espécie de bússola biológica incorporada. A cobra cascavel com um sentido "térmico" detecta o calor de presas e de seus rastos, usando um instrumento biológico de "termografia". As aranhas com um sentido "táctil vibratório" detectam a presença de estranhos nas teias e comunicam entre si por vibrações num  "telegrafo" biológico  incorporado. 

Para terminar e colocar duas questões em aberto, mais conhecido é o caso do sentido de "radar" usado pelos morcegos. Eles orientam-se por emissão-recepção de ondas sonoras com o "truque" de fazerem tabela.
O interessante é que os  humanos também emitem e recebem ondas sonoras, chama-se "falar e ouvir". Só faltará gerir o efeito recepção em tabela  que, por acaso, também fazem e chama-se "fazer eco".
Na verdade, há casos concretos de humanos invisuais que, no seu quotidiano, usam um "radar biológico" para contornar obstáculos, inclusive andar de bicicleta na rua. A capacitação existe e é utilizável se activada:

Assim, as duas questões em aberto são:
1ª - Se vários animais têm outras estimulações percepcionadas, ENTÃO, o animal humano também as terá "adormecidas"?
2ª - Se houver outras "adormecidas" (outros "sentidos") poder-se-ão desenvolver?
   
Como consequência nasce uma questão cultural: Haverá um bloqueio educativo dos paradigmas instalados? [*]
[*] - A Ciência é o milagre de passar do impossível ao não-possível e depois ao possível.

Como exemplo de paradigmas instalados, as "cegueiras culturais" ou os "impossíveis da cultura" :

Em 13 Set. 1768, em Maine, França, ouviu-se um estrondo e uma pedra quente caiu do céu.
O padre da paróquia local partiu bocados da pedra e enviou-os para a Academia das Ciências de Paris.
Os cientistas, depois de diversas análises, concluíram que [...tinha sido um raio que caíra na pedra e a aquecera pois pedras não caem do céu, porque no céu não há pedras para cair.] (Brian Inglis, 1977, pag. 148-49)

Abandonando, por agora, a dinâmica sempre positiva de discutir os paradigmas de impossíveis culturais e, em sua substituição, pensar eventuais impossíveis possíveis.

Por motivos profissionais, aquando na Marinha, fui durante algum tempo, Director do Centro de Formação de instrutores militares (CEFA). Ex-praticante de judo e box descobri lá uma área que me intrigava e motivava …a luta de olhos vendados:


Com liberdade de movimentos era-me possível ser participante extra em várias aulas de judo e box, sempre testando as expectativas e surpresas destas actividades de olhos vendados.
Na época, a palavra chave era "sentir"… o que quer que isto significasse em termos práticos. 

Muitas vezes, este "sentir" significava respostas correctas no ataque-defesa do que não-se-via-nem-se-previa. Era vulgar quanto isso acontecia o meu treino parar e, entre ambos, tentar perceber o "como" isso tinha acontecido. As conclusões sempre foram confusas.

O interessante é que mais tarde a situação voltou a acontecer-me em condições completamente  diferentes. 
Na época trabalhava na área da psicomotricidade, no Hospital Psiquiátrico Júlio de Matos sob a direcção do Prof. João dos Santos (médico e prof. de Educação Física), apoiando crianças com acentuados transtornos mentais no Centro de Saúde Mental Infantil. 

Em conversas muitas vezes informais com o Prof. João dos Santos, ele dizia [… para perceber as crianças é preciso senti-las…]. Novamente, me aparecia o "sentir" como técnica já encontrada nas artes marciais, mas continuando eu sem perceber "o como fazer".

Um dia num seminário de formação, uma terapeuta inglesa fez um "estranho" treino na área do "sentir".
Dois a dois, sentou-nos no chão costas-com-costas. Alternadamente, dava a um uma ficha com uma palavra identificativa de uma emoção, para ser transmitida ao outro apenas por contacto costas-com-costas.
A palavra significava um "sentir" (alegria, tristeza, raiva, recusa, …) ou, posteriormente, mais difíceis (confusão, conflito indecisão …). 

Quem recebia a mensagem escrevia numa ficha a emoção percebida. Se iguais continuava-se com outra ficha diferente. Esta foi uma actividade diária durante toda a formação e o seu objectivo era para, no fim e em pares diferentes, cada um conseguir pelo menos acertar três em cinco tentativas.
Na essência era um treino duplo do "sentir" não só na emissão como na recepção.

O curioso foi que percebi alguns dos fundamentos base e reparei que eram semelhantes aos conselhos das artes marciais. O importante era usar dois pontos de vista:

- Um  deles era sentir o outro no problema dele;
- Outro era sentir o problema dele em mim.

Como exemplo, no caso da terapeuta, ela dizia que usar aqui a segunda alternativa era difícil pois o problema do treino era fictício (a ficha dada), mas nas crianças era mais fácil pois nelas o problema era real.
Por exemplo, o "truque" era questionar-se: [… sinto que esta actividade a está a assustar, e se EU estivesse na situação dela o que sentiria?] e a partir daqui "ler a linguagem corporal  e sintonizar-se"

Nas artes marciais o conselho dos treinadores era também questionar-se: [… se me fossem fazer o que vou fazer como EU impediria?] e a partir daqui preparar-me para sentir o contra-ataque. No fundo era uma técnica de utilizar expectativas para "sentir" as situações ou, como diz o ditado, "vestir a pele do outro".

Durante os debates e conversas, outra questão se tornou relevante.
Esta técnica de "sentir" era um problema cognitivo de aprendizagem instalada ou era uma transformação de receptores e processadores neurais diferentes?
Por outras palavras, era adquirir um saber ou era adquirir um novo modo de estar? Era aprender uma profissão ou incorporar um "behavioral script" (sequência de padrões esperados)?[*]

[*] - Recordo Franz Fanon (psiquiatra) e a sua análise dos comportamentos dos torturadores na família como cônjuges e pais. Uma conclusão é a possibilidade da profissão incorporada como "behavioral script" ser a entidade educadora da família e filhos.  

Em determinada altura nos debates, alguém disse "brincando" [...é como chegar e todos os dias as crianças serem sempre novas] ao que a terapeuta respondeu de um modo "sério" […quando sentir que elas são sempre iguais... mude de profissão!].

Em resumo, e numa linguagem da IA (Inteligência Artificial), a questão era saber se se trata só de um novo software ou se é também um novo hardware?
Como exemplo prático, o aprender a jogar basquetebol.


Basquetebol é um jogo de 10 jogadores num campo pequeno, com grande interacção, rapidez e decisões rápidas. Exige um constante inter-agir de 10 indivíduos, uns pró outros contra, em situações de rápidas e permanentes mutações, exigindo previsões e decisões de si com os outros para as aproveitar ou impedir.


Se se colocar um novato a jogar com 9 treinados, ele não tem tempo para perceber o que acontece e muito menos para participar nas jogadas. Limita-se a andar atrás dos outros, fora do tempo, do espaço e das relações ...à espera que o jogo vá ter com ele.

Aprender a jogar basquetebol significa aprender a agir por novas e subtis compreensões das situações,  com novos formatos psico-neuro-fisiológicos.
Encestar é importante (coordenação motora) mas, inserir-se nas redes grupais em campo, é fundamental (coordenação relacional)[*].
[*]- No mini-basquete, as crianças começam por jogar e não por encestar. O ponto é feito com a bola a bater na tabela. Depois do prazer de jogar, e se inserir na complexidade da interacção, é que surge o desafio de encestar.

Numa palavra, tornar-se jogador de basquetebol é ter outras/mais aquisições motoras, mentais, nervosas e relacionais. É transformar-se ...mas isso acontece sempre em qualquer desporto ou actividade.

Quando no CEFA, o instrutor profissional de boxe (Ferraz) disse-me várias vezes que, em qualquer conflito ou luta, a primeira decisão é "ver"("sentir") se o outro é boxeur e que nível terá[*] e só depois se decide o que se faz.
[*]- O profissional começa sempre por analisar primeiro a atitude/comportamento (behavior script) do outro. Dizia ele […se um profissional não reconhece outro, não é profissional…].

Na verdade, aprender um jogo é aprender a ser diferente, é mudar o seu software e hardware. Por ex.,  este jogo

obriga a adquirir novas formatações psico-neuro-fisiológicas (behavior script). Repare-se como, nos principiantes da rectaguarda (da esquerda para a direita), cada um tem atitudes diferentes,desde "caça", em "espera", em "procura" até "perdido".

PS - É preciso não confundir Educação Física com Actividade Física. Por ex., não confundir o cross de um caso e do outro. Um cross escolar não é um cross militar. 
Num cross as variáveis a gerir são muitas desde quando aparece a primeira subida (inicio, meio ou fim), qual o seu desnível (pequeno, médio ou grande) e quantas até ao número de pausas activas, etc. 
Um cross escolar não é planeado do mesmo modo que um cross militar e mesmo este deve variar em função do período e do objectivo para ele pretendido, isto é, a sua "carga" não pode ser aplicada através de "apetites" momentâneos do instrutor ou com critérios de "senso comum".

Continuando a procurar resposta ao binómio mente-corpo na aprendizagem, pesquisei as artes marciais com foco na energia.
to-ateuma antiga arte marcial de luta sem contacto físico, foi uma das que me intrigou bastante:


Normalmente esta luta é feita face-a-face mas, em 2.000, Mikio Yamamoto e seus colegas resolveram aprofundar o to-ate com experiências sem ser face-a-face [National Institute of Radiological Sciences, Chiba, Japan].
Colocaram os lutadores em salas isoladas e separadas por três andares. O "atacante" era um mestre chinês de Qigong e o receptor foi filmado e controlado por medidores de resistência da pele e electroencefalograma (EEG). Os momentos dos ataques eram decididos de modo aleatório pelos experimentadores.

As conclusões foram que os ataques coincidiam com alterações no "atacado", visíveis no seu EEG e na resistência da pele. Porém, como causa apenas deduziram a existência de uma "desconhecida" transmissão de estímulos "desconhecidos" que provocavam aqueles efeitos.
Na perspectiva do "atacante", mestre Qigong, a explicação era uma transmissão de Ki (ou chi) que, na linguagem da física actual, poderia ser refraseada como uma transmissão das […pequenas flutuações quânticas de energia de vácuo].

PS- Se compararmos um átomo a um grande estádio de futebol, o seu núcleo seria um berlinde e os seus electrões seriam grãos de poeira, tudo o resto seria vácuo com sua energia. Se somos formados por átomos então somos também formados por uma grande percentagem (99%?) dessa energia de vácuo, talvez com o antigo nome cultural de Ki, Chi, Prana ...(?).

Como conclusão pessoal,
considerando que o lutador de to-ate luta com sucesso com qualquer pessoa, surgiu-me a seguinte premissa:
...se existem "alguns humanos" que podem transmitir energia por "canais e estímulosdesconhecidos, também se pode concluir que "todos os humanos" os podem receber, ou seja,... USAR.

Então, este "mecanismo" energético (o que quer que seja) pertence a todos nós, está à nossa disposição, porque se recebemos só falta aprender a emitir. A potencialidade já existe só falta activar.

Em textos antigos e recentes encontrei alguns comentários:
(em tradução livre,  com comentários a verde do autor)

1  To-ate é a comunicação de energia [flutuações quânticas?] entre parceiros e que se projecta à distância [wireless?]. Sente-se como se o corpo fluísse na água, sensível a subtis influências. Adquire-se grande sensibilidade e percepção do outro, tais como movimentos, intenções, sentires, em fusão [sincronismo?] com ele. 

2  A pessoa projetada experimenta uma sensação nova, não sente a dor de um golpe (blow) [pancada?]. Pelo contrário, sente uma forte sensação de satisfação e uma agradável fusão energética [massagem?].

3  No to-atea pessoa projetada sente-se como sob o efeito de um tratamento radical de bem-estar, como se fosse o "cansaço" de uma massagem de bem estar [relaxação activa?].

4  Do exterior, parece que a pessoa é projetada por um golpe (blow) [pancada?], mas é outro tipo de golpe (blow) [sopro?] diferente do que se recebe em combate normal. 
No combate normal os dois oponentes estão em conflito, a energia de combate golpeia (blow) [pancada?] o outro, provoca-lhe dor e choca com ele, enquanto que no to-ate os lutadores golpeiam (blow) [sopro?] mas estão em harmonia e unem suas energias [sincronismo? sintonia?] . 
Visto do exterior, parecem lutas iguais com técnicas diferentes, mas do interior os golpes (blow) [pancada ou sopro?] são distintos na essência e nas consequências[*]. 


[*]- Este comentário é semelhante ao relato uma criança pequena que, por mero acaso, viu os pais em relações sexuais. A sua conclusão foi que estavam a lutar. 
Realmente, do exterior parece o mesmo mas, do interior, a diferença está  entre trocas de energia agressiva (dor-choque) ou de energia afecto-sensitiva (harmonia-sincronismo).
Extrapolando, será que as paixões amorosas são apenas formas humanas de comunicação energética tipo to-ate? Será que as paixões Romeu-Julieta são variações comunicativas de to-ate?

Segundo alguns pediatras, para um bebé não doente deixar de chorar, não é aconselhável "chocalhar" o córtex com o embalar(*), é preferível um abraço aconchegado (troca energética??) a recordar, reconstituindo, o conforto intra-uterino.
Segundo suas opiniões, um ou dois minutos serão suficientes. Se não resultar, dizem que ou ele tem um problema ou o abraço aconchegado foi de raiva e não afectivo.
[*] - Na verdade num combóio, o seu chocalhar também faz adormecer, não por bem-estar mas sim por mal-estar.

Como conclusão, será tudo a mesma troca energética desde o to-ate até à relação amorosa [*], passando pelas lutas de olhos vendados e a comunicação terapêutica? Será tudo expressões daquilo que o biólogo Rupert Sheldrake chama campo morfogénico?
(*) - Não confundir "making love" com "doing love" ou "taking love", cuja tradução para português não pode ser a mesma. "Making love" não é "ginástica sexual".

Para terminar, uma última perspectiva:

4.4 - Andar no fogo

Em Abril 2001, nos Alpes Italianos, participei num Encontro de Pedagogia Experiencial, em que experimentei andar sobre o fogo:

O processo foi simples.
Depois do jantar, pelas 23:00 fez-se, com carvão de coque em brasa (700º?), um carreiro de 10 metros para descalço se caminhar por ele.
Pelas 22:00 horas, um grupo de voluntários (21)  preparou-se para essa caminhada. No fim, restaram dez, dos quais 2 foram aconselhados a não fazer pelo que os restantes foram para o local. Todos fizeram, nenhum se queimou e, no fim, a planta dos pés continuava normal e rosadinha.

No meu caso, quando acabei estava contente, espantado e curioso. Resolvi voltar ao princípio para repetir e observar melhor. Não foi consentido alegando que "Já não estava no estado" (o que quer que isso fosse) e que me iria queimar.

Dentro do grupo (professores, terapeutas, psicólogos, pedagogos, psicanalistas, etc) as conversas eram muitas e as opiniões variavam. Quando havia vozes descrentes e com dúvidas, alguns/algumas dos caminhantes, por brincadeira e sem discutir, descalçavam-se e mostravam as solas dos pés "bem saudáveis".
Um grupo mais restrito ficou discutindo até às 04:00 da manhã, sem conclusões.

Desde essa momento que este problema me persegue pois não percebo o que aconteceu. Não estava drogado, não foi crença religiosa, o carvão era real e o calor muito nítido no frio da montanha.
A questão é simples: Saber o que me tinha acontecido.

Recordei a preparação, tudo era normal e conhecido (relaxações, activações, estiramentos, respirações controladas, controlo perceptivo e sensorial, visualizações, conscientizações corporais, musicas ritmadas, tambores, etc). Não conseguia reconstituir a sequência mas também não encontrava nada "estranho".
Uma certeza eu tenho... é possível.

Agora o meu objectivo é retomar o "estado fisiológico" em que já estive mas com controlo voluntário no entra e sai. Resolvi ler e estudar livros, relatos e experimentar workshops (Quantum Touch) à procura de "dicas".

Como prática experimental queria poder apagar fósforos devagar com os dedos, sem sentir calor nem queimaduras. Mais ambicioso, era arrumar a lareira acesa com as mãos. O treino continuava, gastava fósforos e o êxito não aparecia. Lareira acesa nem pensar.

Tempos atrás, deduzi que devia estar com a perspectiva errada. Não devia ser um problema de treino mas sim de "switch" (mudar a agulha) nos neurónios, isto é, fazer uma espécie de EAC (Estado Alterado de Consciência).

Se fosse assim, nada havia a treinar excepto encontrar o "interruptor" neural que "mudava a agulha" para um "estado" (EAC) diferente. Por outro lado, se fosse através de treino não se faria numa hora e não se perdia em segundos. Com um EAC isso pode acontecer.

Comecei a pesquisar o córtex e suas ondas e a aprofundar  técnicas de meditações budistas, tântricas, yoga, alfa, teta, etc. A hipótese era que, se conseguisse gerir as ondas do córtex, conseguiria gerir o "switch" que me fez andar no fogo e faria também não me queimar nas brasas da lareira.
O motor da  é acreditar no mundo insondável das potencialidades do córtex.
Ver Pinçamentos: Aventura de pensar e os sentidos
                                 Torre de Pisa e inteligência nos animais e pessoas (ou o idiota prodígio)

Como conclusão final,
o córtex é um músculo que se treina e, como qualquer músculo, as drogas afectam-no. Porém a sua complexidade e potencialidades desconhecidas tornam o uso de drogas uma "roleta russa", ou seja, nunca se sabe completamente quais as consequências.

No caso de crianças em que, por "moda" de hiperactivismo[*], se usam psicotrópicos, parece o mesmo sistema em que, por "moda", se porá óleo de fritar no motor de um Porsche…e depois ele só serve para carroça:

[*] - Psychologie TodayWhy French Kids Don't Have ADHD


Continuação "As crianças, a vida e os antipsicóticos- Parte 4 e última"



Sem comentários:

Enviar um comentário