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terça-feira, 7 de março de 2017

Rabejador, café entornado e Trump


Hoje no café, fui "despertado" do meu livro por um conflito em surdina delicada na mesa ao lado. O empregado tinha entornado um pouco de café na mesa quase sujando o jornal.

Com a mesa já limpa e nova chávena de café, o conflito de argumentos decorria sobre quem era o culpado. Durou mais de 5 minutos com várias tentativas de me fazer tomar posição nesse debate. Depois, várias vezes, o conflito regressou a mim para, alternadamente, eu me decidir a favor do interlocutor.

O meu livro passou para segundo plano e comecei a pensar na relação entre um "factor irrelevante" e uma "consequência retumbante", os fanatismos e as discussões. 

A questão que me perseguia era saber porque que as pessoas ficam presas no anzol de um incidente desprezável e daí não saem. Lembrou-me o mestre budista que diz que [...todos sabem tirar a pedra do sapato mas não conseguem tirar a "pedra" da cabeça...]

Anarquicamente (como é costume) os meus neurónios trouxeram-me a história do "rabejar o tigre" e o "Trump".
PS- Uma técnica para tirar a "pedra" da cabeça é pôr lá mais "pedras" diferentes e os neurónios que se entendam...

Rabejar o tigre

Depois de uma tourada, um grupo de forcados, festejava na cervejaria. No meio das conversas, alguém disse que o rabejador segurava o touro mas não era capaz de fazer o mesmo ao tigre do circo que estava na cidade. 
Discussões arrastem apostas e estas fizeram o rabejador ir ao circo experimentar.

Entrou na jaula e depois de algumas tentativas conseguiu, todos bateram palmas e voltaram para a cervejaria muito divertidos.

Uma hora depois alguém notou que o rabejador ainda não tinha voltado. Admirados regressaram ao circo.
Lá chegados, viram o rabejador ainda agarrado ao rabo do tigre e por ele arrastado de um lado para outro. Perguntaram porquê e ele respondeu que tinha conseguido agarrar o tigre mas agora não sabia como largar.

Trump

Esta história trouxe-me à ideia uma foto de Donald Trump na Casa Branca depois de ganhar as eleições


será uma atitude de  "…e agora???!!!" acerca de:

- não posso mais guiar os meus carros de marca…
- andar no meu óptimo avião…
- visitar as minhas discotecas e clubes…
- dar as minhas festas…
- vou ficar preso na Casa Branca…
- tenho que obedecer ao não pode fazer isto, aquilo e aqueloutro…
- etc…

"Cádê" a minha liberdade de andar por onde quero, fazer o que me apetece, guiar os meus carros, etc, pois vou estar sempre rodeado de fiscais e controladores ??? e ainda paparazzi escondidos???
Quanto tempo vou aguentar??? … raizopartiça que raio de velhice!!!!!

Pois, eu sei ...agarrar… agarrei e como des-agarro?

Exactamente como quando se pensa "Como é que me meti nisto???"


domingo, 5 de março de 2017

Conversas no automóvel e o livre arbítrio

Tema
Livre arbítrio ou determinismo ? 
São temas para discussões religiosas, filosóficas e escolares... ou são problemas constantes do dia-a-dia, quer para fazer compras, falar com o chefe, casar, votar, etc?
O senso comum chama SORTE ou AZAR quando o determinismo abafou o livre arbítrio.

Índice
1 - Carro e circunstâncias
2 - Poker e livre arbítrio
3 - Diagnóstico e exemplos
   - A esplanada ou jogos relacionais
   - A zanga ou cartas em jogo
   - A árvore ou cartas  jogadas 
4 - Conclusão

1 - Carro e circunstâncias

No Reino Unido (UK) foi feito um estudo sobre o modo como dois casais se sentam num automóvel e qual o padrão usado, o qual parece variar com as culturas a que pertencem. Como resumo:

 A - Working class
Neste caso os casais distribuem-se por "homens à frente - mulheres atrás"-
Na prática é como se houvesse uma conversa para homens e uma conversa para mulheres, coexistentes mas independentes. Portanto, institucionalizam-se duas entidades: homens e mulheres.

 B - Medium class 
Aqui os casais distribuem-se por "casal à frente - casal atrás". Isto significa que a conversa é colectiva entre os quatro, todos falando com todos, ou funcionam por casal com conversas independentes.
Na prática, este isolamento por casal é raro ou será rápido pois, se prolongado, é considerado descortês.

 C - Upper class
Neste padrão os casais separam-se, ficando "homem e cônjuge do outro à frente - homem e cônjuge do outro atrás".
É uma espécie de padrão de acolhimento em que cada um funciona como responsável por acolher, i.é., "fazer sala"com o outro. As conversas são simultaneamente públicas (todos ouvem) e privadas (diálogos independentes).
Na prática, cada um tem duas pertenças, uma em standby como membro do casal e outra activa como participante de uma função social. 

O interessante desta análise é a conclusão de que a disposição dos assentos de um automóvel obriga á activação da cultura dominante de "géneros não se misturam" ou "casais não se separam" ou "acolhimento é a responsabilidade social".

O primeiro "livre arbítrio" é um livre arbítrio condicionado* ás três disposições possíveis A, B, C. Depois o segundo "livre arbítrio" é o tipo de conversa condicionado pela primeira escolha.

A vida é uma rede emaranhada de livres arbítrios e condicionamentos (circunstâncias) numa confusão lógica onde cada um começa e acaba e como se influenciam.

[*] - Livre arbítrio condicionado ou determinismo flexível… ou, numa perspectiva existencialista, só temos o livre arbítrio que a nossa circunstância permite. 

1 - Poker e livre arbítrio



A vida é uma espécie de jogo de poker pois, em ambos, existe o livre arbítrio de jogar com as cartas que o baralho deu, quer ao próprio, quer aos outros, quer a ninguém.
Noutras palavras, as cartas (no poker) e as circunstâncias (na vida) são a matéria-prima com que o livre arbítrio é fabricado.*
[*] - Como diz o ditado "sem ovos não se fazem omeletes", mas com ovos pode fazer-se bolos, gemadas, bebidas ou … pintos. A diferença é feita, não pelos ovos mas, pela decisão do livre arbítrio.

O poker é exactamente como a vida, a política, a economia, etc, onde o livre arbítrio é ser livre de decidir mas está preso no determinismo conhecido ou não conhecido. Se tudo corre bem chama-se sorte, se corre mal chama-se azar.

Na verdade, apesar destes determinismos, o livre arbítrio humano oscila com quatro pequenos graus de liberdade:

A - livre arbítrio decidido dentro de regras, rotinas, protocolos existentes;

B - livre arbítrio decidido nas fronteiras dessas áreas, dentro de prováveis lógicos;

C - livre arbítrio decidido fora dessas áreas, dentro de possíveis extrapolados;

D - livre arbítrio decidido por não-arbítrio, usando moeda-ao-ar;

Neste momento, não se considera esta alternativa por ser uma espécie de antinomia* com a essência definida por recusa a essa essência, do tipo "é… porque não é", ou seja, é um "livre arbítrio feito depois de estar feito" (i.é., escolhido pela moeda).
[*] - antinomia: um conflito/contradição entre duas leis, proposições, princípios, ideias.

Utilizando o poker como analogia, poder-se-á dizer que as decisões das jogadas são o livre arbítrio de cada jogador sobre as circunstâncias existentes, isto é, as cartas distribuídas e as jogadas dos outros jogadores.

Um bom jogador não é o que tem bom jogo (boas circunstâncias) mas é o que faz boas jogadas (bom livre arbítrio). 
Um exemplo interessante é a Batalha de Aljubarrota entre Portugal e Castela (1385).
Castela tinha boas "cartas", um maior exército com uma das melhores cavalarias da época, e Portugal um menor exército com uma fraca cavalaria.
As "jogadas" feitas, isto é, o modo como as cartas e as circunstâncias foram usadas, foram más por parte de Castela e boas por parte de Portugal que venceu a batalha.

Estratégia é o uso do livre arbítrio que cria circunstâncias para adulterar o livre arbítrio dos outros e favorecer o próprio.
In brevis, na Batalha de Aljubarrota a estratégia de Portugal criou circunstâncias que desconcertaram o livre arbítrio dos castelhanos originando más decisões em consequência.

O interessante é que tudo isto está implícito no jogo do poker. Antes do jogo começar, nunca se procura prever as cartas, mas procura-se prever as jogadas, tentando definir o perfil dos jogadores*.
Tradicionalmente e de um modo simplista, há 4 perfis padrões para encaixar o jogador:
[*] - Por exemplo, procurar previamente vê-lo jogar.

1- looser - vai sempre a jogo
1.a - activo - toma iniciativas de criar circunstâncias (por ex. faz apostas)
1.b - passivo - acompanha as circunstâncias (por ex. iguala as apostas)

2 - Tight - só vai a jogo se tem cartas boas
2.a - passivo - acompanha as circunstâncias se tem cartas boas
2.b - activo - provoca circunstâncias se tem cartas óptimas

3 - Diagnóstico e exemplos

3.1 - A esplanada ou jogos relacionais

Na dinâmica de assentos de automóvel versus padrão de conversas, o cerne da questão parece estar nos padrões de interacção e comunicação que desse modo são activados entre as pessoas.
Nesta perspectiva surge uma pergunta,

 "…e se não houver automóvel, surgirão também os padrões A, B e C atrás descritos?"

Resolvi pesquisar na área (Cascais)


Restaurantes e espanadas são bons locais a observar pois permitem escolher (livre arbítrio) quer o condicionante de "como sentar" quer o padrão de "como conversar".
Decididos estes, dada a flexibilidade dos lugares (ao contrário do automóvel), pode assistir-se a uma sucessiva mutabilidade entre os padrões A, B e C e suas nuances de sentar e conversar, se bem que normalmente haja um dominante.

Nos restaurantes o padrão mais vulgar é o todos falam com todos (padrão B), com suas conversas tipo "trocas" (fazer sala) ou "passa-tempo" (bla bla bla) ou "contacto" (info-afectivas), variando também consoante a idade e cultura.

Todavia, nas esplanadas, dada a sua informalidade, os padrões são mais expressivos, mais variáveis e com mais altos e baixos relacionais. Os três estilos A, B e C são vulgares.

Dois casais reformados tem vulgarmente o padrão A, homens conversam e mulheres conversam. Isolam-se em temas diferentes com conversas de "sala" e/ou "passa-tempo" e/ou "info-afectivas" por exemplo de hobbies (futebol e telenovela,). Porém quando o tema é família (filhos ou netos) passam para o padrão B, casal-casal,  mas raramente o padrão C.

É interessante notar que casais de namorados/casados em torno dos 20 anos também usam muito o padrão A, ou seja, eles conversam e divertem-se entre si e elas fazem o mesmo. Só passam a conversa colectiva (padrão B), todos com todos, por razões operacionais, isto é, decidir o que vão fazer, comer, etc.

Um caso particular é o casal de avós com um casal de neto/a e namorado/a. Na conversa, o padrão  B de casal-casal é o dominante,  mas o padrão C também é comum com diálogo de acolhimento um-a-um cada avô com um dos jovens.
Há uma certa formalidade diluída em afectividade, quer por parte dos jovens quer por parte dos mais idosos. Numa palavra, é o clima de "delicadeza e afecto" característico do padrão C, com percentagens relativas variáveis.

3.2 - A zanga ou cartas em jogo

A história:

Num Domingo à tarde, dois casais amigos vão passear, homens à frente e mulheres atrás. Os donos do carro estão zangados entre si.
Música ambiente permite isolamento nas conversas "por género", os homens estão com estilo "passa-tempo" e as mulheres com estilo "info-afectivas" dialogando sobre a zanga.
No banco de trás, amigas desde crianças, o tema era implicado, intimo  e delicado.
Subitamente a música pára, o silêncio aparece e as conversas ficam públicas.

O marido condutor fica zangado com a indiscrição do seu casamento e censura as mulheres pela leviandade.
Todos se manifestam e um conflito nasce, desenvolve-se e resolve-se: zangam-se, deixam de se falar e o passeio acaba.

O livre-arbítrio funcionou. 

Análise das circunstâncias da zanga 
ou "Definir a árvore das circunstâncias"

1 - O livre arbítrio funcionou dentro do determinismo criado pelas suas circunstâncias;
2 - Como exemplo e esquecendo outros, pode considerar-se quatro layers (estratos, níveis) iniciais:
     . O conflito prévio 
     . Amizade antiga entre as mulheres
     . Confidência
     . Música ter parado

Se uma ou várias destas circunstâncias não tivessem existido aquele livre arbítrio não teria acontecido, mesmo mantendo outros layers, ex., cultura instalada, zanga clandestina, etc.
Em esquema:


Cada uma destas circunstâncias existe porque foram originadas por outras circunstâncias, por exemplo, o conflito do casal aparece porque se enraíza no casamento e este no namoro, etc, cada um deles teve um livre arbítrio que criou o layer seguinte.
Toda a vida funciona deste modo, em sandwiches sucessivas de circunstâncias e livre arbítrios, cada uma influenciada por outros conjuntos semelhantes.

No caso da amizade antiga, ela pode ter nascida de pais emigrantes que chegaram no mesmo navio e se instalaram no mesmo local, etc. Daqui a sua vizinhança, encontro, crescimento comum e amizade com raízes afectivas.
Em esquema:

Na verdade, os alicerces de cada livre arbítrio são uma miríade de pequenas circunstâncias que se enredam e criam condições para decisões (livre arbítrio) por sua vez criadoras de outras circunstâncias.

Como exemplo (história verdadeira), um avô que tem AQUELE neto porque: 

"...há 60 anos um amigo esqueceu-se de um documento no trabalho e foi lá buscá-lo às 21:00 com a futura mulher e uma amiga. Como esse avô tinha ficado a trabalhar até mais tarde e já devia ter saído* há 30 minutos, conheceu-a, saíram juntos e mais tarde casaram e tiveram o pai daquele neto.
Agora, 60 anos depois nasce o neto apenas porque alguém ficou a trabalhar até mais tarde e outro esqueceu um documento. 
Como diz o poeta […a vida é uma bola de neve que se alimenta de pequenas e fortuitas coincidências…].

[*] - Uma espécie do [...bater das asas da borboleta em Tóquio que provoca em tornado em Nova Iorque…] da teoria do caos.

Há um autor que propõe um jogo pessoal e interessante. Descobrir 10 decisões pequeninas e desprezáveis no passado que hoje se sabe terem originado um inflexão drástica na nossa vida. Como exemplo, na história do avô foi ele ter decidido ficar mais alguns minutos a trabalhar e com isso começar a linha conducente ao neto que hoje existe.

Segundo este autor, é um jogo de descobrir os nossos "bater das asas da borboleta" que provocaram os tornados da nossa vida.
Todos temos as nossas "bater de asas" e os nossos "tornados" a construir o nosso passado.

3.3 - A árvore ou cartas jogadas


Esta oliveira, em função das circunstâncias geológicas, atmosféricas, etc, que lhe "caíram em cima", usou o seu "livre arbítrio" para se sustentar, crescer e viver 34 séculos.

Que circunstâncias (cartas a jogar) a vida apresentará á jovem oliveira e o que ela "decidirá" para alcançar a mesma idade de mais 33 séculos?

Do poker à vida humana, animal, vegetal tudo funciona do mesmo modo: circunstâncias e livre arbítrio.

No caso humano, as opções a tomar chamam-se decisões pois contêm parâmetros susceptíveis de serem manipulados com o objectivo de alterar as circunstâncias no provável e/ou no possível.

4 - Conclusão

Exemplo de livre arbítrio e circunstâncias:

a. Andar de fato e gravata a passear de automóvel por Lisboa não fez parte do livre arbítrio de Afonso Henriques, Rei de Portugal nas circunstâncias de 1147.


b. Andar de armadura e a passear de cavalo por Lisboa não faz parte do livre arbítrio de Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República Portuguesa nas circunstâncias de 2017.

O livre arbítrio é sempre expressão do grau de liberdade usado sob e sobre os determinismos das circunstâncias existentes. 
Esse grau de liberdade do livre arbítrio pode funcionar em 3 padrões distintos:

A - orientar-se pelass regras, rotinas, protocolos existentes,
      ou seja, funciona dentro do previsível institucionalizado. 
      Ex., o burocrata com o livre arbítrio dentro do trilho das circunstâncias.

B - orientar-se pela zona de conforto criada pelos prováveis institucionalizados,
      ou seja, procura algo fora da rotina e das regras mas dentro das lógicas inerentes.
      Ex., o criador "eu também" com o livre arbítrio fora do trilho mas no provável existente. 
                            
C - orientar-se fora da zona de conforto, apoiado em possibilidades lógicas,
      ou seja, o criador de diferença com o livre arbítrio longe do trilho mas usando-o como referência.

A diferença criada pelo padrão C, inovar fora do sistema instalado, pode ser de essência desviante (diferença positiva, progressiva) ou desviada  (diferença negativa, regressiva). 

[*] - Ex., Picasso foi um desviante na pintura da época pois criou nova linguagem de comunicação pictórica que só foi aceite quando se aprendeu a "ler" a nova escrita. 

Como exemplo de um padrão C de livre arbítrio desviado, a decisão de deputados andarem à pancada na circunstância  do Parlamento Nacional, Turquia 2016:


Na verdade, este livre arbítrio está fora das regras-protocolos habituais de um Parlamento democrático e nem sequer está dentro das suas probabilidades. 
Como obviamente isso aconteceu, a pancadaria estava dentro do possível da circunstância política em causa.
Todavia, como é uma regressão e não uma melhoria do diálogo democrático, é uma diferença desviada

Como exemplo de um padrão C de livre arbítrio desviante, uma opção do Presidente da Republica Portuguesa na circunstância de Cascais, Portugal em Nov. 2016:


Esta opção de um Presidente da República está fora das regras-protocolos habituais e fora das probabilidades de suas zonas, pois parto do princípio que o engraxador não é um guarda-costas e que a área não está vedada aos cidadãos.
Como obviamente isso aconteceu, significa que estava dentro do possível da circunstância política do quotidiano de Portugal em Novembro 2016.
Todavia, o clima que expressa é consequência e causa de um estilo de relações inter-cidadãos que é diferença desviante positiva para o diálogo democrático adulto, existente e possível.