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quarta-feira, 19 de julho de 2017

O segredo das zangas

Referência: Pinçamentos "Zanga de namorados"

Como ponto de partida, um vídeo (20s) de uma situação simples com, e sem, diálogo afectivo entre duas pessoas:


As diferenças apresentadas poderão ser esquematizadas por:

1- Sem diálogo afectivo:


Quando, estando ao pé um do outro, ficam isolados como dois estranhos, sem comunicação de emoções sentidas.  É a situação tipo que origina o sentir de […estou só, não falas comigo e pões-te a ver TV…].


2- Com diálogo afectivo:

Pelo contrário, quando atentos ao exterior, simultaneamente, comunicam emoções sentidas mantendo uma "conversa" de interacção afectiva. É a situação tipo que origina o sentir de […ver TV contigo, faz-me sentir bem e com companhia…].

Aparentemente as diferenças parecem desprezáveis e invisíveis, porém de forma não-consciente são perceptíveis e afectam. Qualquer conversa tem sempre dois planos, o conteúdo e a relação, e os seus diferentes equilibrios originam consequências distintas.

Por exemplo numa recruta militar, o instrutor a par das ordens dadas para cumprir, injecta também um estilo de relação "impositiva" para aceitar.
Do mesmo modo num namoro, os apaixonados com a relação afectiva enviam também conteúdos (actos) implícitos a aceitar.

Por outras palavras, o "diálogo" na recruta tem a tónica no conteúdo e a relação vai de boleia, no namoro o foco está na relação e leva actos "entrelaçados".

Todavia, apesar desta aparente simplicidade, o processo não é óbvio na sua distinção de fins e meios. Na recruta, através de ordens (conteúdo), o objectivo principal pode ser educar para a obediência e  submissão (relação). Por sua vez no namoro, a relação pode ter como objectivo não a troca afectiva mas a realização do acto de procriar (conteúdo).

A lógica é simples. Todos nós nos relacionamos emitindo-recebendo, simultaneamente e entrelaçados,  significados cognitivos e afectivos mediante sinais verbais e não-verbais. Estes sinais devem (e serão) interpretados por dicionários linguísticos e afectivos previamente instalados que criam emoções e impulsionam decisões.

Ad extra ------
Nesta perspectiva, a política é sempre um jogo de palavras com o objectivo de detonar emoções, daí as palavras de ordem serem impulsor afectivo e não cognitivo.
Entre o "discurso democrático clássico" e o "discurso populista" a diferença é a alta manipulação afectiva que este faz, ultrapassando ou perto da linha vermelha do irracional.

Há culturas partidárias com discursos habituais nesta linha vermelha, quer sejam políticos, religiosos, clubistas, sociais, etc.
O problema é a transferência de hábitos "populistas" de uma área para se aplicar noutra, por ex. entre desporto (claques), políticos (partidos), religiosos (seitas), sociais (e/imigrantes), etc.

Sociologicamente, devem ser tratados com estratégias de "epidemia cultural" com seus "vírus" e sua contaminação. A questão não é o "populismo" estar conspícuo numa sociedade, a questão é se ele "estupidifica" a sociedade ou, numa linguagem menos emotiva, se ele educa a sociedade nesse sentido e disto há exemplos Históricos recentes no século passado e neste.

fim Ad extra ------


É esta integração cognitiva-afectiva […se não lavas as mãos, não gosto de ti…] que á base das culturizações familiares, militares, religiosas, políticas, etc. O esquema base é:


Os dicionários linguagem e afectivos podem ser iguais ou diferentes. No esquema apresentado, por exemplo, os idiomas poderiam ser chinês e português e os afectos serem de afectividade contida ou expressa.

Em resumo, uma conversa é uma transmissão de sinais verbais e/ou não-verbais que actuam por estimulação de significados. Para esta estimulação acontecer é preciso existir uma inserção prévia de "dicionários" que faça a "tradução" no cognitivo de incompreensível para compreensível e no afectivo do neutro para emocional.

Se esses dicionários não existirem, ou forem errados, a recepção e sua resposta ficarão com "bugs", susceptíveis de criar zangas. Como exemplo, uma simples rotação de pulso basta para estimular  emoções diferentes entre a cultura americana e a inglesa/australiana.
Um pequeno lapso cultural USA-Austrália:


Em cada um de nós, estes dois níveis entrelaçados são uma parceria para a vida inteira, instalam-se, mudam, evoluem.
Na escala temporal, o nível afectivo é primeiro na sua criação e desenvolvimento pois o idioma verbal só começa a ser operacional pelos dois anos de idade com a etapa do "falar".

O idioma não-verbal é anterior, por exemplo e segundo Spitz, o sinal de "sim" e "não" com a cabeça é enxertado na afectividade pelo mamar no seio materno. Se perde o seio procura-o com movimentos laterais, originando o "não, quando o encontra chupa o leite com movimentos verticais, significando o "sim".

Mais interessante é a ideia de que a criação de significados emocionais parece começar antes do nascimento, pois durante a gravidez há uma ligação por cabo mãe-filho com possíveis "formatações" afectivas. Todavia a influência do pai é posterior pois só o faz com ligações wireless😎 depois do nascimento.

Estes dois níveis desenvolvem-se, interagem e adaptam-se ao longo da vida e estão sempre presentes e bem activos em todas as conversas. Eles são um produto do útero biológico (genes) e do útero social (aprendizagens) portanto a sua variabilidade é grande em seus conteúdos e equilíbrios e é nesta variabilidade que se encontra a génese da sintonia (amor?) e da divergência (zangas?) na vida de parcerias.

Quando um professor diz "- Esta criança não tem jeito para inglês", isso significa que ele tem fé na cegonha de nunca entregar na China

... crianças sem jeito para chinês, nem na Alemanha... crianças sem jeito para alemão, etc, portanto aqueles pais terão que, felizes, de agradecer à cegonha não ter levado o  filho para Inglaterra onde seria mudo.

Em apoio da "fé na cegonha" está o facto de que as crianças aprendem a sua língua nativa sem precisar de  professores diplomados, pois só o contacto social é suficiente… todos têm jeito. Esta facilidade é uma prova clara da "eficácia da cegonha".

Do mesmo modo, todos temos jeito para amor (sintonias) e zangas (aversões) e, à semelhança do idioma, também o formato afectivo nativo se adquire por contacto social. Desde a nascença que as culturas usam diferentes modos relacionais provocadores de sorrisos e/ou birras, com o reforço das "habituais" respostas recebidas.
Queiramos ou não, desde bebé a "educação por osmose" faz a sua função.

Uma questão interessante é saber […até onde na educação dos filhos se reproduz a educação recebida pelos pais dos seus pais…]… e isto não é uma imposição determinista é apenas uma opção possível.

Na verdade, a osmose cultural (família, escola, sociedade, etc) é a grande educadora do dialecto afectivo que mais tarde é usado (em forma directa ou anti) no amor e no casamento.

Cada um de nós "ama" com o dicionário afectivo culturalmente injectado e os diversos "Romeus e Julietas" nem sempre coincidem nas suas "traduções emocionais". Por sua vez, e eventualmente, a própria palavra com sua compreensão cognitiva arrasta diferentes compreensões afectivas. Exemplo:

1º exemplo cognitivo-afectivo

 I love my shoes… I love my dog… I love my bride, ou seja em português:
Eu amo os meus sapatos… Eu amo o meu cão … Eu amo a minha noiva.

Aparentemente numa tradução directa, ama-se igualmente os sapatos, o cão e a noiva. Todavia, a alternativa é que as conotações afectivas da palavra "love" em inglês não são as mesmas da palavra "amo" em português. A aprendizagem de um idioma implica apreender as conexões afectivas de suas palavras, devendo as alternativas ficarem em "standby" dependendo do uso.

Um caso, talvez claro e interessante, é o "making love" traduzido em português por "fazer amor" mas cuja tradução é a mesma para "doing love" que, numa tradução livre, se poderia dizer "ginástica sexual".
Culturalmente, o facto de se usar a mesma palavra com os dois significados afectivos diferentes pode originar "miscelâneas" afectivas :

- fazer amor com esposa adorada e fazer amor para ganhar dinheiro;
- fazer amor por apaixonado e fazer amor por dever conjugal;
- fazer amor por afecto e fazer amor para procriar, etc

ou em casos mais confusos:

 I love Mary… I love Lucy… (Eu amo Maria… Eu amo Lúcia…)

Hum…Hum, estamos a falar de um bígamo? ou de um incesto? ou de…etc.
A questão é saber qual dos "love" (amo) tem conotações sexuais. Tudo fica claro se se explicitar as diferenças afectivas da palavra "amo":

Eu amo minha mãe Maria… Eu amo minha noiva Lúcia, ou

Eu amo Maria… Estou apaixonado por  Lúcia… 

2º exemplo cognitivo-afectivo

Um pai tem uma filha adolescente e um amigo diz-lhe subitamente:

- O João foi com a tua filha prá mesa!!! Possivelmente, o pai encolhe os ombros e desinteressa-se.

O João foi com a tua filha pró sofá!!!  Possivelmente, o pai levanta as sobrancelhas e interessa-se.

O João foi com a tua filha prá cama!!! Possivelmente, o pai levanta as mãos e Grrrr!!!.

O dicionário afectivo das frases funcionou diferentemente ao ser dominado pelas traduções afectivas de mesa, sofá, cama. Porém, o filho Manel (10 anos), como não faz diferenças afectivas nessas palavras, tem reações emotivas iguais nos três casos.

Todavia, na segunda alternativa, o pai pode activar uma pergunta cognitiva "- A TV estava ligada ou desligada?" e em função da resposta criar diferentes emoções.

Na terceira alternativa, se o pai tiver o dicionário afectivo acrescentado com a recente informação: "Casaram a semana passada", a emoção também será outra.

3º exemplo cognitivo-afectivo

O objectivo de uma conversa é a troca de sinais com intenção de inserir determinado significado.
Quando se desconhece o chinês, a mensagem será de meros sons incompreensíveis e as emoções serão confusão e desamparo:


Possuindo conhecimentos do idioma chinês, a frase significa "É o meu tigre" e é conectada com o barulho na sala ao lado. 
Todavia, como desconhece que animal é o "tigre" e apenas se recorda de cães, gatos e burros, a emoção será curiosidade e expectativa do que irá aparecer com aquele som:


Todavia se, no jardim zoológico, as experiências infantis com tigres foram más, isso incorporou um tradutor afectivo negativo ainda hoje activo (trauma??) pelo que é invadido por puro terror:


Relações amorosas

As relações amorosas vivem da conversa afectiva, isto é, da sintonia entre sinais emitidos e significados percebidos.
Quando esta sintonia desaparece, o diálogo amoroso transforma-se em diálogo de surdos em que se fala mas não se ouve. No plano afectivo, esta "surdez afectiva" nunca é neutra pois só a perda da conexão afectiva é suficiente para a destruição da relação com interacções disfuncionais.
Exemplo:

O João na sua infância quando estava triste era envolvido em afecto através de palavras e actos, histórias divertidas e/ou instrutivas, mudanças de perspectiva e "esquecimento" com novas situações. 
A Maria, pelo contrário, era acolhida em quietude psicológica e física, proximidade, abraços e beijos.

Numa crise da Maria, se o apoio do João for baseado no seu próprio padrão afectivo, ele esforçar-se-á por verbalizar o seu amor e carinho, recordar memórias amorosas e futuros desejados, acrescentar um rodopio de jantares e passeios para "esquecimento" e catarsis. 



Porém, quanto mais apoia... mais piora e aumenta a emoção de solidão e afastamento da Maria e fá-la sentir que […não é importante para ele…]. Na verdade, aquele apoio estaria a "falar" um dialecto afectivo desconhecido e sem qualquer significado para ela, seria apenas ruído.

O mais grave é essa "cacofonia" agravar a solidão e a falta de companhia, transformando o João "salvador" em João "perseguidor" e a Maria, na sua posição de "vitima", precisar fugir, isto é, divórcio. 
[análise com uso de conceitos do modelo "triângulo dramático"]

 A solução seria falar o dialecto amoroso dela ou  "...para já… calar-se e abraçá-la".

Neste exemplo, a questão importante é saber porque só agora, ao fim de 4 anos de casados, este quid pro quo aparece.
O senso comum com sua sabedoria explicará "- É o cansaço normal do casamento!".
Talvez "sim", talvez "balelas"! Há mais factores em jogo.

Não é fácil Romeus e Julietas encontrarem-se e terem logo uma alta sintonia de padrões afectivos.
A "TAL pessoa única", marcada pelo destino como alma gémea, poder aparecer à porta, tocar a campanhia e casarem… é uma crença igual a acreditar no Pai Natal.

Na prática, há milhares de pessoas com percentagem significativa (média??) de sintonias afectivas, das quais algumas centenas encontrar-se-ão no espaço social de vida pessoal... escola, trabalho, transportes, turismo, etc.

Circunstâncias aleatórias originam encontros e contactos. O importante é o que acontece depois, ou seja, usa-se e abandona-se ou desenvolve-se e potencia-se?
Qualquer que seja a continuação, socialmente estão padronizadas fases de continuação: namorico, namoro, noivado, casamento, divorcio ...ou rotina conjugal ou até-que-a-morte-nos-separe ou amantes ou etc.

Resumindo,

Há uma circunstância aleatória de contacto com um mínimo de sintonia amorosa, depois a opção é simples: a par da vivência dessa sintonia inicial, deixar-se-á degradar com zangas ou procurar-se-á potenciar com acordos?

O senso comum responde e explica "- Nada a fazer, a degradação é o cansaço normal do casamento". 

Porém, há outro factor em jogo: É a lógica da espécie humana.

Por um lado, a lógica do "casa, descasa e recasa" tem vantagens pois aumenta a  diversidade genética da reprodução e, portanto, cria maior a riqueza genética na espécie.

O efeito Coolidge aprofunda este aspecto. Ele refere-se a uma espécie de "imã genético" que atrai um macho para uma fêmea. Simplesmente, depois do efeito "hormonal" ser usado, ele perde interesse sexual e descansa.
Porém se minutos depois aparece uma fêmea diferente, o "imã genético" activa-se, hormonas reactivam-se e o macho fica pronto para reprodução. O exemplo clássico é o do galo sempre a galar galinhas ...se diferentes.

Todavia, a lógica da espécie humana não facilita o efeito Coolidge pois nela a atracção reprodutiva (sexual) é função do "imã genético" e do "imã afectivo". 

Segundo G. Lapassade, a espécie humana tem um problema de sobrevivência diferente do das outras espécies.
O ser humano quando nasce está imaturo e incapaz de sobrevivência pelo que precisa de um útero social para acabar de maturar e obter independência.
É uma espécie de bolsa marsupial mas social, ou seja, não é um contentor biológico mas um contentor relacional de essência afectiva.  É uma empatia social que fornece e garante recursos de sobrevivência a partir da espécie.

Este factor também existe noutras espécies mas não não tem a complexidade, dependência, quantidade e aprofundamento da transformação que provoca nos humanos.
Por outro lado, este "apoio" da espécie aos seus membros tem efeitos contínuos, possibilitando recursos de manutenção e desenvolvimento não só aos mais jovens como aos mais velhos. Na linguagem vulgar  esse apoio chama-se "civilização".

Quando um individuo tem esse recurso "civilização" pouco disponível chama-se ser pobre e não tem condições de usufruir Educação, Saúde, comida aquecimento, etc; se tem esses recursos disponíveis chama-se ser rico.
Para colmatar esta diferença há várias soluções desde a caridade (esmolas, partilhas, apoios, etc) até violência (roubos, guerras, saques, etc), ou por aplicação de princípios políticos (planos sociais de socorro, expulsão de indivíduos, ghetos-muros de exclusão, etc) e de crenças culturais (racismo, meritocracias, etc).
Esta exclusão do recurso "civilização" também é usado como castigo e/ou "ensino pela negativa" mediante  prisões, isolamentos, expulsões, etc.

Na verdade, se comparado com outras espécies, o tempo de maturação de 15 a 20 anos no útero social numa vida de 50/60 anos, representa uma elevada percentagem e um factor de grande importância para sobreviência quer da espécie quer de grupos e individuos.

in brevis------
A espécie humana precisa do "útero social" para sobreviver, esse útero social precisa da energia da empatia social, a empatia social é uma rede de afectos que fomenta pertença, coesão e apoio.

Na lógica da espécie humana, a sua perenidade precisa do "imã genético" para nascimentos e do "imã afectivo" para sobrevivência dos recém-nascidos. Como nascimentos sem sobrevivência não "salvam" a espécie, geneticanente(??), o "imã afectivo" não deixa o "imã genético" à solta quer na procriação quer nas relações.

Mas esta interdependência traz outro problema.

fim in brevis------

Aprender e sintonizar afectos para procriar por "making love" (sexo e relação) exige tempo, portanto, sob o ponto de vista da sobrevivência da espécie, não é operacional.
Neste ponto de vista, outras espécies com a solução do cio, "doing love", (sexo comitatus solitudo, masturbação acompanhada)  têm um sistema mais rápido e prático.

O truque "genético" utilizado é inteligente e funciona bem para conseguir o equilíbrio necessário entre o urgente (procriação) e o fundamental (empatia social).

Resume-se a injectar na relação um tradutor universal de afectos que permite "encaixar" emotivamente a relação, passando de processo lento a rápido e obter também uma procriação de processo rápido (os célebres 7segundos da ejaculação).
Segundo alguns bioantropologos, na pré-História, os "7 segundos" era o que conciliava a procriação com uma fuga rápida em caso de perigo ou instabilidade.

Este "tradutor universal de afectos" chama-se hormonas sexuais, tipo "fast food", que prioriza sinais de consumo rápido para sintonia afectiva […é querido porque parece o Zé da telenovela…] e […é amorosa, igual à capa do PlayBoy…]. 

Um minuto depois está tudo resolvido:

3 seg. para "concordâncias", 40 seg. para "entretantos", 7 seg. para "consequentes" e 10 seg. para "comprometimentos" [...és o meu profundo amor conhecido mesmo agora].

Este "tradutor universal" limita-se a empolar sinais com afectividade positiva, bloqueando ou escondendo aspectos negativos […não gosto muito, mas…] e empurrando-os para debaixo do tapete.
A linguagem afectiva que fica dominante é a conversa de hormonas com o seu discurso protocolar clássico […vê-se depois, agora a conversa é outra…]:


Por estudos realizados este "tradutor universal" mediante linguagem sexual só parece funcionar bem durante três a cinco anos (lua de mel??), após os quais surge um período com a mais alta percentagem de divórcios.

Mas, EXISTE OUTRA HIPÓTESE

No período activo do tradutor universal com o domínio das hormonas sexuais (imã genético) o imã afectivo das sintonias emocionais não está inoperativo, ele mantém activa a percentagem inicial de sincronismo.

No período de lua de mel,  dominado pelas hormonas sexuaisa par das actividades inerentes a este período o que poderia (e deveria) acontecer era desenvolver e potenciar a sintonia dos afectos iniciais procurando continuamente aumentar a sua integração.
Assim, obter-se-ia uma elevada compreensão no diálogo entre os dois dialectos afectivos fora da "muleta" do curto-circuito sexual facilitador:

…até que a morte nos separe...
O normal habitual é tudo funcionar ao acaso.
Nuns casais é "acaso sim" em que o namoro se prolonga até à velhice, noutros é "acaso não" com divórcios variados ou com burocracias conjugais estáveis de vários tipos (rotinas, amantes, consumo, dinheiro, etc) excepto sintonia afectiva.

Basicamente é o mesmo processo de correr em que há uns que correm e outros que aprendem a correr bem, o acaso sim ou acaso não de pôr um pé à frente do outro ...não chega.
Namorar é o mesmo, não basta dizer palavras e a isso chamar "conversar", ou andar de mão dada e a isso chamar "passear".

Tudo se centra em empatia e sintonias. O segredo está nos detalhes. Até talvez não seja difícil porque, estatisticamente, parece que na cultura ocidental os padrões afectivos existentes resumem-se a cinco estilos base.

Um possível auto-teste para casados:

- Indicar três diferenças (entre parceiros) nas respostas afectivas que deseja/precisa quando em crise. Depois converse e confira.

… e já agora... o que acontece com cada filho?
 PS- Esta pode ser feita em conjunto "pai-mãe".

Uma zanga

O José e a Maria casaram. Entendem-se na linguagem (conteúdos) verbal e não-verbal mas a nível de dialectos afectivos têm des-compreensões.
O José vive bastante bem com contextos afectivos, de proximidade e contacto, mas distrai-se e aborrece-se nos "palavreados" e, segundo as suas próprias palavras, "precisa de gastar energia".
A Maria, pelo contrário, gosta de manter alguma distância, de trocar ideias e ficar "embrulhada" nos seus pensamentos como ela própria se define, brincando.

Durante o namoro e lua-de-mel tudo correu bem mas agora, passados 5 anos, e com dois filhos pequenos, a falta de tempo e disponibilidade provoca lamentos de solidão [… já não é como dantes…]:


Outro dia, o José regressou do emprego algo "amachucado". Assim, que abriu a porta a Maria notou que havia problemas. Triste, o José pensava em abraços e aconchego e a Maria preocupada pensava apoiá-lo com o sossego de uma conversa amiga.
Assim, ela acompanhou-o à sala, disse-lhe para ele descansar um pouco que ela já voltava para conversar:

Ele sentou-se, olhou à sua volta, estava sozinho, não sabia que fazer e mergulhou na sua tristeza sentindo-se abandonado:
Passado algum tempo, ouviu os filhos entrar em casa e acompanhados pela mãe foram ter com ele.
Rapidamente, a Maria percebeu que ele estava pior, pensou que aquela barafunda não o ajudava e  levou os filhos com ela para o pai poder descansar:

Agora, o José além de sozinho sentiu que era recusado como se tivesse "peste", estava isolado de tudo e todos pois nem os filhos podiam ficar junto dele. A irritação aumentou.

A Maria continuava preocupada pois sentia que ele não melhorava. Foi espreitar e não teve dúvidas de que não conseguia o sossego necessário. Assim, sem fazer barulho, fechou a porta devagarinho porque os filhos brincando na cozinha faziam muito barulho.


Sozinho, isolado e a família toda junta divertindo-se na cozinha uns ao pé dos outros, ele sentiu-se estar preso, e "enjaulado".
Não aguentou mais e vermelho de irritação, saiu da sala e entrou "rosnando" pela cozinha a dentro:


Não foi fácil sair deste "carrossel" e a Maria chorando dizia: "- Em casa dos meus pais, a minha mãe sempre fez assim e ao jantar tudo estava bem".

Pois é, por "osmose familiar" tinha aprendido um dialecto afectivo errado para actuar em crise no seu próprio casamento.

O ridículo da zanga é que, a brincar, os dois diziam as suas diferenças (proximidade versus verbalização) mas nada concluíam. A sua cultura de senso comum é que mandava "- O casamento é mesmo assim, depois há que aguentar".

A solução era simples. Se a crise era da Maria, o José tinha que a deixar acalmar e depois conversar com ela, gostasse ou não de conversar. Abraços e beijinhos estavam fora de "hipótese".

Se a crise era do José, a Maria tinha que o aconchegar, abraçar, fazer companhia sem "intelectualidades" por muito que lhe apetecesse fazer. Ficar sozinho para acalmar e fazer conversas de missionação estava fora de "hipótese".



segunda-feira, 17 de julho de 2017

Zanga de namorados1

No café da manhã uma discreta zanga de namorados. Na mútua troca de palavras, de repente, ela disse:
- Tens que comparar como hoje vês isso e como viste na altura… Adeus!!!, e saiu.

Ele ficou quieto e com "ar amarrotado":


Fiquei a pensar pois a frase era interessante. 

Na verdade, as memórias não são "fotografias mentais" do que acontece mas sim "fotografias mentais retocadas pelos significados que lhes damos". 
Estes significados dependem do ponto de vista interpretativo utilizado quando foram registadas e esse ponto de vista vai variar, muito ou pouco, com as vivências que vamos tendo.

Dizer "Eu dantes era muito parvo" significa apenas que a perspectiva pessoal sobre o registado, as "recordações", se alterou.  
O mais interessante é que o conteúdo desse "recuerdo" pode ser reformulado por uma espécie de retoque positivo ou negativo sobre o acontecido, do tipo [… não, não, …a bofetada foi apenas uma carícia mais intensa…] ou...

No julgamento, dizia o marido:
- …mas eu, ao chegar a casa, atiro-lhe sempre uma flor…
Dizia a mulher:
-…pois, mas é um cacto com vaso...

In brevis, as recordações são apenas o resultado de perspectivas de vida incidentes sobre registos arquivados, parcializando, embelezando, acrescentando, etc.

Ao contrário do computador em que os documentos não se transformam ao mudar a estrutura WinXP para Win7, Win10, etc, no cérebro humano as memórias arquivadas alteram-se com a estrutura ateia, cristã ou budista posterior ou até, simplesmente, com a mudança de apaixonado para indiferente em que, por ex., carícias desejadas passam a carícias indesejadas. 

Como exemplo frequente são os mesmos acontecimentos serem recordados diferentemente consoante se está em pré-casamento (só detalhes positivos) ou pré-divórcio (só detalhes negativos) apesar de ambos terem sido reais.

No ser humano os processos cognitivos são sempre "entrançados" com processos afectivos e estes nas conversas amorosas são os dominantes.

No pensar humano o constante entrançar de cognitivo-afectivo origina uma meditação budista bastante interessante. Ela intensifica a comparação de mudanças de perspectivas e de conteúdos ao longo do tempo de vida. A sugestão citada no início deste post [...comparar como se vê hoje e como se viu na altura] expressa bem a sua essência base. 

Quando há muitos anos tive conhecimento desta técnica e não tendo paciência para uma rotina de "diários" resolvi que, em períodos "mutantes" da minha vida, escreveria cartas aos meus filhos que na época eram ainda crianças e/ou adolescentes. 
A ideia era fechá-las em envelopes, não as tornar a ler, deixar passar muitos anos e entregá-las quando já fossem homens "vincados" pelos detalhes da vida.  

Todavia as perspectivas evoluem e, mais tarde, resolvi abrir uma das 14 cartas existentes, tornei a ler o que tinha escrito e depois de muito "conversar com os meus botões" resolvi, sem as abrir, destruir todas. 

Foi uma conclusão simples, decidi "não quero saber", o passado fica no passado. 
Os meus filhos construirão o seu passado com seus acontecimentos e suas perspectivas, não lhes deixarei mais marcas do que aquelas que já deixei numa época em que era diferente do que sou hoje. 

Gosto de conversar com eles sobre esse passado mas isso é diferente, sou EU a falar hoje dos "ontens" quando EU era diferente. Às vezes sei a diferença, outras vezes não. Portanto, essas conversas não são sobre o passado são sobre o presente a olhar para o passado. 

Paradoxalmente, só guardei a única carta que abri, ainda não descobri porquê, mas o seu destino está decidido é para rasgar, ninguém a vai ler. Até lá, está guardada em sítio que só eu encontro, um doc. com password de código dentro de código.

Para terminar, uma conclusão sobre a zanga de namorados do início deste post. A sua conversa estava cheia de diálogo mas tinha uma comunicação nula. 

Comunicação é troca de significados não é troca de palavras, as palavras só servem para inserir significados. A inserção obriga a possuir um dicionário tradutor de significados, se não existe a comunicação é nula, se é mal traduzido é des-comunicação:


Uma conversa exige um dialecto cognitivo e um dialecto afectivo. Pode-se conversar no mesmo idioma cognitivo mas com dialectos afectivos diferentes. Numa conversa comercial o dialecto cognitivo tem preponderância (ambos falam chinês), mas numa conversa amorosa a preponderância está no dialecto afectivo pois se, para um significa respeito e para outro é desprezo, o conflito e a zanga aparecem.

Aquele par de namorados tinha dialectos afectivos diferentes, entendiam-se nas palavras mas diferiam nos significados afectivos. Ele transmitia sinais de grande emotividade positiva que não era recebida e ela mostrava a sua frustação em emotividade negativa que não era percebida. Era como se, afectivamente, um conversasse em chinês e o outro em esquimó.

Os padrões de dialecto afectivo aprendido na infância não tinham inserido os seus dicionários. Possivelmente no início do namoro o tradutor universal das hormonas sexuais tinham tornado desnecessário essa necessidade, tudo significava o mesmo,… mas então a conversa era outra, agora o divórcio aproximava-se e era preciso instalar os dicionários afectivos.

domingo, 16 de julho de 2017

Tatuagens e vida



As tatuagens não me incomodam, o meu problema é outro, até porque fica bonito, agradável e inesperado a tatuagem espreitando pelo decote nas costas.

A minha questão já vem de tempos antigos. 
Nos meus 19 anos visitei o Oriente e fiquei encantado com a China e o seu mundo tão diferente do Ocidente. Conversando com amigos, apareceu a ideia de todos guardarmos a lembrança dessa visita fazendo uma tatuagem de um dragão chinês. Depois de muitas ideias e contra-ideias sobre o local, tamanho , estilo, etc, acabou por se concordar por um pequenino dragão no pulso para ficar tapado pelo relógio.

Nos dias seguintes fiquei a pensar [... e se começasse a usar relógio de bolso?] e decidi não o fazer. Desde essa altura até hoje fiquei com o trauma do "relógio de bolso" até porque há muitos anos que deixei de usar relógio, mesmo muito antes dos telemóveis porque havia relógios por todo o lado, no carro, nas empresas, na casa e, claro, no pulso de toda a gente.

Desde essa altura  que o meu problema com as tatuagens é ficar  "preso" a ela para toda a vida. A pele pintada não me incomoda, o que me incomoda é não poder despintar.

A vida é demasiado rica e complexa para se ficar "parado" no seu fluir. Parafraseando o poeta, "cada momento que vivo é sempre um início do fim da minha vida". Ficar limitado nas possibilidades desse momento por uma decisão então considerada boa mas que se pode tornar má… irrita-me se lucidamente já a considero não imprescindível.  

Hoje penso que esta posição partiu de um filósofo que li na minha adolescência que dizia que as decisões boas são aquelas que sentimos que "noutras circunstâncias decidiremos o mesmo". Olhando para trás, para aquelas decisões que provocaram uma "cambalhota no caminho da vida" se, por muitos problemas que tenham causado, ainda hoje ainda as decidíssemos do mesmo modo é porque mereceram a pena. E uma tatuagem para a vida inteira não sinto que pertença a este tipo.

Viver é... em cada segundo decidir o futuro, do mesmo modo que escrever é em cada segundo decidir a palavra seguinte e se continua ou não a escrever. 

Deste modo, decido acabar e despeço-me com uma síntese:

Concordo com tatuagens quando facilmente as puder tirar e depois puder torná-las a pôr, pois a razão é  simples: o corpo é meu e, voluntariamente, não lhe tiro possibilidades. 

PS- Acabo de re-decidir continuar. 
Estou a chegar à conclusão que estar no café e assistir à vida que me rodeia é mais interessante e estimulante do que ver os canais e programas da TV cuja rotina é mesmo rotineira.
Inté